domingo, 29 de abril de 2012

OS DEUSES DO TEMPO

Para o homem finito e angustiado, o tempo é algo sobrenatural, cujos segredos e mistérios são guardados por seres superiores, seres que transcendem a intransponibilidade do próprio tempo. a divindade, pois, é a resposta, dá a resposta, revela os mistérios encerrados nos arcanos do tempo eterno.
Não importa a forma que a divindade tenha ou que assuma, seja etérea ou perceptível, seja inimaginável ou palpável. Importa que se aproxime do homem, que seja um canal de comunicação com o infinito e com o imponderável. Não importam tampouco os meios de que se utiliza para tornar-se presente, para manifestar-se e revelar. Que o faça através dos elementos naturais, dos animais, dos seres inanimados, não importa, contanto que o faça.
O homem se sente desamparado, desvalido, insolitamente jogado no tempo e necessitado de um auxilio divino. Sente-se vida, embora não saiba o que realmente é a vida. Afigura-se como que produzido por um momento do tempo, procura inutilmente refletir-se no espelho da natureza finita, ressabia-se de sua pouquidão e efemeridade, percebe-se como um mero instante que balança e flutua no berço do tempo e logo some, desaparece no mesmo eterno tempo que o gerou. A dúvida, o questionamento, a insensatez de seu desgarramento num universo repleto de parodoxos impele-o a clamar aos deuses. Os deuses do tempo.
É por isso que os egípcios erguem pirâmides para fazer confluir sobre si o tempo eterno, pirâmides que os perpetuam para sempre, que os eternizam como se fossem novos deuses atravessando o tempo, procurando os pontos de confluência entre vida eternidade, entre o sentido do finito e do infinito, entre o puramente animal e o divino, entre o evidente existir e o ansiado sobre-existir. O homem quer ser para sempre como os deuses do tempo devem sê-lo.
É por essa razão que os orfistas descobrem a fonte das águas da memória, pois, a perda de memória desgarra o homem do tempo e o faz retornar ao nada, impossibilitando sua inserção na eternidade do tempo. Mas é por esse motivo também que os antigos gregos e romanos cultuam Dioniso e Baco, divindades do prazer, do prazer total, pois, segundo eles, o tempo se escoa, tornando o homem um mero joguete do momento que algo desaparecerá.
Os mistérios de Elêusis, os festins em honra de Cibele, a invocação de Ísis, as celebrações cruentas para obter favores de Mitra, são tantas outras formas de purificação, cuja finalidade principal é a de dominar o tempo, embarcar no navio que singra para os extremos do tempo, guiado por Ísis, e assim penetrar na eternidade e divinizar-se para participar do festim do além na companhia dos deuses do tempo.
Nessa tarefa de desvendar os mistérios da vida eterna, de superar as limitações de um momento existencial e transformá-lo em conquista definitiva da existência para sempre, multiplicam-se os intermediários entre a parca vida terrestre e os seres que governam o universo, o eviterno e o sempre.
Profetas, adivinhos, pitonisas, áugures, arúspices, magos, bruxos, interpretam, pregam, enganam, ludibriam, elucubram, leem sinais no voo das aves, nas entranhas dos animais imolados, nas rotas dos astros, no sopro dos ventos, no tremular das copas das árvores, nas sombras desenhadas pela luz intensa ou tênue, nas penumbras das cavernas, nas erupções dos vulcões, nos terremotos, nos maremotos, no vozerio dos animais, no canto das sereias, nas virtudes do agárico, dos ramos de louro e de oliveira. Lançam mão do criado para aceder ao incriado. Prometem transformar o tempo, superá-lo, dominá-lo, refluí-lo para impelir o homem ao divino, para elevar a natureza momentânea do homem ao Olimpo sempiterno dos deuses. Todos serão deuses. Todos serão donos do tempo, divindades do tempo.

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